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Projeto Etiópia

Projeto Etiópia

A missão são rostos

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Quando, em Novembro de 2020, regressei de Portugal, nunca pensei viver os momentos que tenho experienciado nestes últimos meses.

Vivo em Guilguel Beles, na Região de Benishangul-Gumuz, Etiópia e, na missão, trabalhamos essencialmente com o povo Gumuz (nós, Leigos Missionários Combonianos, vivemos com os Missionários Combonianos, na mesma missão). Não fechamos as portas a ninguém, mas este é um dos povos mais esquecido e abandonado da Etiópia e do mundo.

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Várias pessoas de outras etnias, tais como Amara, Agaw, Chinacha, também aqui vivem. O solo é fértil e isso leva a que seja uma zona apetecível. E, por isso, muitas vezes, os Gumuz perderam terrenos que lhes pertenciam.

Mas, mesmo assim, as pessoas viviam em paz, sem grandes problemas. Em 2019, já eu estava na Etiópia, uma aldeia Gumuz foi atacada, pessoas mortas, casas queimadas. A nossa missão foi pioneira em prestar auxílio aos deslocados.

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Quando regresso, em Novembro de 2020, rebeldes Gumuz começaram a atacar não Gumuz. Com grande dor soube da morte de muitos inocentes. A vida humana é preciosa. Porém, assisti também à persecução de Gumuz. Pessoas fugiram para a floresta, casas queimadas, dezenas de jovens presos sem qualquer justificação.

Recordo-me de ir com o David, LMC, meu colega de missão, até Debre Markos, na região Amara, com dois Gumuz, pois tinham receio de ser mortos. Várias vezes fomos prestar auxílio a detidos na estação policial.

Entretanto, o Governo começou a negociar com os rebeldes Gumuz e, durante quase dois meses conseguimos abrir escolas, clínica, biblioteca. Porém, as negociações falharam e os rebeldes Gumuz mataram mais pessoas. Nem sempre é fácil concluir negociações quando as propostas exigidas são impossíveis de concretizar.

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Como resposta, rebeldes Amara e Agaw, atacaram aldeias, mataram pessoas, queimaram casas. Os jovens com quem convivia, as mulheres do grupo que seguia, as crianças da escola e jardim-de-infância tiveram que fugir para a floresta: sem comida, sem roupa, sem nada. Pessoas que eu conhecia foram mortas: inocentes!

Na nossa missão muitas têm sido as pessoas que aqui vêm para pedir comida, dinheiro para comprar comida, assistência médica …

No início preparámos comida para todos os necessitados que vinham ao nosso encontro ("dai-lhes vós mesmos de comer" (Mt 14,16); depois com a ajuda da Diocese oferecemos massa e, diariamente, todas as manhãs oferecemos uma refeição a mais de 200 crianças. Aos Domingos oferecemos uma refeição, depois da missa.

O David todos os dias se responsabiliza pela gestão das refeições e a Irmã Nives (irmã comboniana) diariamente presta cuidados médicos a dezenas de pessoas. Eu alterno entre ajudar no trabalho com as crianças e ir a Mandura, à missão das Irmãs Combonianas ( que tiveram que deixar a missão, devido a esta situação de guerrilha, vivendo por agora na nossa missão. Mas durante o dia procuram estar na missão onde estavam, Mandura, para acolherem as pessoas que aparecerem) onde ajudo com as tarefas doméstica, tais como buscar água para os animais, para a casa (pois as irmãs estão sem água em casa), entre outros e recebemos (eu e as irmãs Combonianas Vicenta e Cristiane) as pessoas que aparecem para cumprimentar ou pedir ajuda. Muitas delas arriscam vir à missão, depois de 3/4 horas a caminhar, para buscar cereais que guardaram na casa das Irmãs ou pedir ajuda.

Tem sido muito duro escutar tanto sofrimento: pessoas que estão a sofrer, subnutrição, crianças gravemente doentes, pessoas que perderam familiares, que perderam os seus cereais. Quantas vezes me é difícil adormecer a pensar nesta realidade.

A missão são rostos e tenho presente tantos rostos sofridos. Quando na Igreja rezo e olho para a cruz de Jesus vejo imensos rostos, contemplo esta realidade sofredora e percebo que Jesus está naquela cruz por nós e que continua a sofrer diariamente por nós. Mas, ao mesmo tempo, sinto estas palavras na minha mente: não tenhais medo! Eu estou convosco!

Não é fácil viver estes momentos de sofrimento, mas a vivência da fé em Jesus, que passou a vida fazendo o bem, que sofreu, foi morto mas ressuscitou ajuda-nos a ser testemunhas do Amor de Deus entre as pessoas.

Obrigado a todos e todas que têm contribuído a vários níveis, de oração, amizade, carinho e ajuda para a missão. Sem a vossa partilha não teríamos hipótese de prestar auxílio. Muito obrigado de coração!

As tribulações não faltam, mas estai certos de que a vossa oração nos sustenta. A missão é de Deus e é nEle que devemos colocar a nossa confiança.

Abraço fraterno,

Pedro Nascimento

Escola esperança

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A etapa escolar, sobretudo o jardim de infância e a primária, parece marcar as nossas vidas de uma maneira ou de outra. Muitas recordações se guardam: amigos ou amigas que são uma grande parte do que fomos, professores e professoras que tocaram os nossos corações e abriram caminhos que até então não imaginávamos… em geral, uma vida partilhada que nos apaixonou, nos preencheu de alegria e quase sempre consideraremos como a melhor etapa.

No entanto, na Etiópia, a escola pode ter um sentido mais completo.

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Na região em que vivo, Gumuz, a família Comboniana tem 5 creches (3 dos Padres Combonianos e 2 das irmãs Combonianas) e uma escola primária (das irmãs Combonianas). Todos estes centros foram solicitados pelo próprio governo local, há já mais de 20 anos, que considerou que esta região escassamente desenvolvida precisava de espaços educativos que cumprissem dois objectivos: por um lado, potencias a educação com a finalidade de poder garantir o futuro autónomo e digno; por outro lado, criar espaços onde possam conviver meninos e meninas de todas as etnias presentes na zona, na igualdade e no companheirismo, de forma a que a divisão (tão presente e tão profunda nesta região) vá desaparecendo partindo dos pilares da vida (a infância e a adolescência) e seja fomentada a ideia da fraternidade completa.

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Este tem sido o objectivo da Familia Comboniana todos estes anos, desde as questões educativas gerais até ao trabalho quotidiano: criar um espaço onde a convivência seja tão importante como a aquisição de conhecimentos e competências.

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Porém, a realidade social mudou muito nos últimos dois anos. Quando cheguei à Etiópia, esta região estava submersa num conflito étnico entre alguns grupos étnicos contra outros (com assassinatos, pessoas deslocadas, incêndio de casas, etc.). Quando a situação se tavava a normalizar, a Covid-19 parecia quebrar a normalidade novamente, fechou tudo e espalhou o pânico (que já havia se tornado um "visitante" regular nesta área). E, sem ser frenado este problema, um novo conflito étnico, ainda mais grave que o anterior, atingiu a vida dos habitantes da região. Os problemas que encontramos no primeiro conflito multiplicaram-se, expandiram-se e não faziam distinção de religião, idade ou sexo para ter um pouco de misericórdia. O dia-a-dia foi dominado por um pânico já conhecido, mas que atingiu limites insuspeitados. TUDO foi fechado novamente com a chave do medo, da violência e do desânimo.

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A situação exigia uma resposta, e a escola das irmãs Combonianas, que dá lugar ao título do que escrevo, converteu-se em algo mais que um centro de convivência. Converteu-se no “Escola Esperança”.

Diante da realidade da violência, muitas pessoas, principalmente mulheres, crianças e idosos, optaram por deixar as suas casas. Muitas pessoas fugiram para a floresta, mas a grande maioria dos que moravam ao redor da escola, instintivamente e por causa de sua enorme confiança nas irmãs, escolheram refugiar-se na escola. Foi incrível ver como entravam às dezenas, ou centenas, com o principal que puderam trazer antes de fugir, numa diáspora improvisada, carregando roupas, crianças, bebés, grãos, animais, etc.

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A escola abriu as suas portas e tornou-se, mais do que uma casa, o seu refúgio, pois, mais do que conforto, procuravam segurança. As salas de aula foram esvaziadas e transformadas em locais para dormir, cozinhar, comer e receber cuidados; bem como outros espaços e áreas comuns, até os pátios e fontes.

Com o passar das semanas, a situação deu alguma trégua; as pessoas voltaram para suas casas, mas não à normalidade. Temendo que os seus pertences fossem roubados, temiam principalmente pelos grãos conseguidos e colhidos ao longo do ano. Novamente colocaram a sua esperança na escola, que reabriu as suas portas para guardar esses grãos, em sacos de 100 kilos, para serem guardados no único lugar da sua confiança naquele momento.

Esta situação era especialmente grave para os meninos e meninas, que viviam com medo e um sentimento de desamparo. As irmãs, conscientes disso, colocam a escola novamente ao serviço das crianças, criando um espaço de confiança. Apesar do encerramento oficial de todos os centros educativos da zona, as portas do nosso centro principal abriam-se quase diariamente para dar aulas de apoio e revisão, para acolher todos os que vinham e permitiam-lhes pintar, desenhar, ler ou escrever; e, o que teve mais sucesso, organizar (ou melhor, improvisar) jogos e atividades desportivas. Naquela época, o mais importante não era que as crianças e jovens aprendessem ou fossem avaliados, mas que pudessem entrar num lugar onde se sentissem seguros, animados, com a alegria que deveria reinar nesta fase da vida. Que pudessem brincar, relacionar-se em paz e tranquilidade e sentirem-se acolhidos e confortados era a prioridade; em suma, que eles pudessem ser o que são, meninos e meninas, forçados a crescer por uma realidade mais dura do que deveriam ter conhecido.

Ao longo desse processo, o meu companheiro de missão (Pedro) e eu quisemo-nos envolver o máximo possível (embora às vezes fosse impossível para nós nos deslocarmos devido ao perigo dos dez quilómetros de estrada que separavam a nossa casa da escola, devido a ataques, assaltos, tiros, etc.). O nosso trabalho quotidiano, o nosso entusiasmo e a nossa força centraram-se principalmente no acompanhamento e na ajuda à realização das actividades quotidianas dos rapazes e raparigas. Como improvisados ​​professores, professores de desporto, monitores, companheiros e tudo o que podemos imaginar, procurámos oferecer um espaço de boas-vindas e esperança a todos que cruzaram as portas da rua.

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Amanhã, 23 de fevereiro, e após a situação já estar estabilizada o suficiente, a escola abre oficialmente as portas para o novo ano (tendo perdido quase meio ano). Os alunos, a partir dos 3 anos de idade até o final do ensino primário, retornarão às aulas. Nesse retorno, o pesadelo ficará para trás; e duvido que alguém chore às portas disso. Pelo contrário, eles estarão ansiosos para retornar ao lugar do qual nunca se sentiram separados; o lugar que era para eles o único espaço de tranquilidade e despreocupação. Pais e mães, por sua vez, se sentirão mais aliviados do que nunca, pois, se nos momentos de maior tormento confiaram cegamente para proteger seus filhos e filhas (o presente mais precioso que possuem), ver que voltam às aulas preenchê-los-á com esperança renovada.

LMC David Aguilera

 in Misión en Etiopía [https://davidenetiopia.blogspot.com/2021/03/colegio-esperanza.html?fbclid=IwAR1AZgSFDVeqjQLofpiUZvS3aw4c1fkl9mFUx4HpfjY4EKOv0Rr5zy289Ek]

5 de Março de 2021

Luzes e Escuridão

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Partilhar o amor de Deus com os demais, receber e dar, determinaram a nossa vocação missionária (Irmã Vicenta Llorca, Irmã Missionária Comboniana há mais de 40 anos na Etiópia e Pedro Nascimento , Leigo Missionário Comboniano, há dois anos na Etiópia). Tal como fez com Abraão, também a nós, através da oração e discernimento pessoal, Deus disse: “Deixa a tua terra e vai para a terra que eu te indicar” (Gen 12,1). O nosso destino foi a Etiópia, país cheio de sol e de hospitalidade. A Etiópia é um país lindíssimo, com uma grande riqueza histórica e cultural, cheio de tradições e com imensos povos, com grande diversidade linguística.

Benishangul-Gumuz faz parte de uma das regiões da Etiópia e uma das suas tribos aqui presente é a dos Gumuz, gente de carácter forte, disposta a lutar para defender-se em muitos sentidos. O nosso trabalho missionário é especialmente desenvolvido entre os Gumuz.

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O nosso primeiro impacto foi muito bom, pois sempre quisemos partilhar a nossa vida com gente simples, como esta. A comunidade das Irmãs Combonianas, situada em Mandura, oferece serviços como a educação, a saúde e a pastoral catequética. A comunidade dos Leigos Combonianos (David Aguilera e Pedro Nascimento) vive com os Missionários Combonianos, em Guilguel Beles, a 10 quilómetros de distância de Mandura e procuram auxiliar ambas as comunidades nas áreas da educação e pastoral catequética, bem como no acompanhamento de alguns doentes.

Nós, Ir. Vicenta e Pedro, trabalhamos na pastoral e no serviço social, pois uma pessoa completa-se desenvolvendo alma e corpo. Uma das actividades que realizamos juntos é o acompanhamento da catequese das mulheres no seu desenvolvimento espiritual, humano e material. Sabemos que a mulher tem um papel importante na transformação da sociedade e aqui elas precisam de descobri-lo. A mulher Gumuz trabalha imenso e é muitas vezes negligenciada nas oportunidades tais como a educação, onde o aproveitamento escolar não é uma prioridade, especialmente, para as mulheres e raparigas. Estas têm, especialmente, que trabalhar no campo, apanhar lenha para cozinhar, carregar água do fontanário ou do rio, carregar pesados sacos com cereais (fruto do trabalho do campo), cuidar dos filhos, cozinhar… A vida da mulher Gumuz é difícil e cheia de sacrifícios e de trabalho árduo.

Reunimo-nos todas as semanas com um grupo de mulheres e elas elegeram um nome para o grupo:  “Construtoras da Paz”, nome devido à situação de guerra que temos vivido por mais de dois anos, na nossa zona. Neste grupo partilhamos a Palavra de Deus, rezamos pela paz e tomamos juntos um café com a colaboração económica de todas, e fazemo-nos próximos nas experiências de dor e sofrimento que vivemos, fortalecemos a amizade, partilhamos sonhos e aspirações para o futuro. Estes encontros dão-nos a possibilidade de nos conhecermos e estar mais perto uns dos outros.  É nosso desejo, segundo as nossas possibilidades, desenvolver actividades que possam ajudar as mulheres na parte económica, já que elas têm um papel importante na manutenção da família.

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Tudo isto é muito bonito e atractivo, mas a vida humana está composta de tempos felizes e tempos dolorosos, dias de luz e dias de escuridão. 

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Devido a confrontos étnicos, sobretudo pela posse da terra, a estabilidade social piorou, muitos foram mortos, aldeias foram queimadas, algumas colheitas foram roubadas por oportunistas, muitos inocentes postos na prisão sem saber os motivos, as escolas  e postos médicos fechados devido à insegurança, temendo que os estudantes sejam atacados pelos rebeldes e os professores e enfermeiros atacados e sequestrados, já que a maioria deles pertencem a outro grupo étnico. Infelizmente esta tem sido a nossa realidade nos últimos dois anos vivendo-se, ora momentos de paz, ora momentos de conflitos e insegurança. Porém, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor (Rom 14,8) e Ele connosco sempre está e nos acompanha.

Na missão das Irmãs, algumas mulheres pediram a protecção por umas semanas, ficando lá a dormir. A situação piorou e decidiram escapar para o bosque onde se podiam esconder. Quando a situação se acalmou, pouco a pouco, as famílias foram regressando às suas cabanas.  Como referimos, anteriormente, esta situação tem-se repetido por dois anos e juntos experimentamos a dor, a insegurança mas também a protecção de Deus. As obras de Deus nascem e crescem aos pés da Cruz, dizia São Daniel Comboni.

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Nada disto estava contemplado quando cheios de ilusão, chegámos a esta missão, mas decidimos fazer causa comum com este povo, partilhando os momentos bons e os maus, decidimos permanecer aqui e abandonarmo-nos nas mãos de Deus. Viveram-se tempos muitos difíceis e a nossa presença aqui, no meio das dificuldades, pretende ser testemunho da fidelidade a Deus manifestada na fidelidade ao povo com quem partilhamos a vida. Foi Jesus quem nos disse: “Eis que estou convosco todos os dias, até ao fim dos tempos” (Mt 28,20).

No meio da dor, de ver sofrer a gente que escapa, dos que sofrem quando choram os seus entes queridos seja porque estão mortos ou porque privados de liberdade, tudo isto se converteu em tempo de graça que nos ajuda a fortalecer a fé e a fidelidade a um povo que vive tempos de sofrimento. Fazer minha a dor do outro, demonstra-nos o quanto o outro é importante para nós, o quanto lhes queremos bem. Ensinava São Daniel Comboni, faço causa comum convosco e o dia mais feliz da minha vida será aquele em que der a minha vida por vós.

Neste momento fazem-se negociações de paz entre o governo e os grupos rebeldes, as escolas e postos médicos (alguns) começam a abrir. Em nós, há a esperança de que se possam viver momentos de paz, felicidade e prosperidade. 

Rezem por nós e por estes povos da Etiópia, pois a esperança não a podemos perder, rezem para que consigamos arranjar suporte para desenvolver actividades económicas com as mulheres e ajudar as famílias em necessidade, rezem pela paz e pela comunhão fraterna.

 
Vicenta Llorca, Irmã Missionária Comboniana e Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano

A Alegria da Missão

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A alegria da missão concretiza-se na fidelidade da resposta dada ao chamamento de Deus. E essa tem que ser uma resposta diária. A alegria da missão vive-se, também, de momentos duros, dolorosos, mas riquíssimos.

No momento em que vos escrevo, vivem-se momentos de paz na zona Metekel. A paz de que vos falo é a paz da ausência de mortos e feridos. Mas, no meu íntimo, desejo uma paz mais difícil: paz no coração de tanta gente que sofreu e sofre! Aqui existem tantos corações feridos…

Nestes dias, eu e o David temos ido com regularidade à esquadra da polícia, onde se encontram vários detidos, a maioria deles sem justificação e alguns deles feridos. Visitamos os detidos, oferecemos água, algum dinheiro para que possam comprar comida e, conjuntamente com a Ir. Nives, Irmã Missionária Comboniana e enfermeira, prestamos cuidados médicos aos feridos. Hoje, quando fomos visitar os detidos, recebemos a notícia de que todos os que estavam feridos tinham sido colocados em liberdade. Melhor assim, que possam estar em liberdade junto da sua família.

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Como sinal de alguma estabilidade, as escolas começam a reabrir na cidade (por certo que nas aldeias ainda não haverá escola). Este é o terceiro ano consecutivo que os alunos não têm escola durante todo o ano lectivo e a causa não é a pandemia Covid-19, senão os conflitos étnicos. Alguns jovens pedem-nos pequenos trabalhos para que possam comprar cadernos escolares. O trabalho dignifica e conseguir os seus próprios cadernos com o fruto do seu trabalho é muito melhor. O nosso trabalho deverá privilegiar sempre a promoção da dignidade humana.

Sempre que medito sobre como é difícil a muitos jovens aqui, especialmente os Gumuz, obter uma educação digna, sofro, porque lhes quero muito. Estes jovens são o futuro da Etiópia e da sua região. Se não tiverem acesso a uma educação digna, que futuro podemos esperar da Etiópia? Eu que venho de uma região do interior de Portugal, que tinha que levantar-me todos os dias às 6:00 da manhã para poder apanhar o autocarro e chegava quase todos os dias às 19:00, fazendo diariamente mais de 60km para poder ter aulas, no ensino secundário, percebo que fui um sortudo comparado com estes jovens sem condições para poder ter um bom aproveitamento escolar e futuro profissional. A vida é dura… Mas é bela.

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Obrigado queridos amigos e amigas pela vossa oração e carinho. Obrigado pela vossa partilha material que nos permite partilhar com os detidos, os doentes, os jovens, comprar livros para a biblioteca, etc.

A missão pertence a Deus e nós somos meros instrumentos do Seu Amor. Sem a vossa generosidade, oração e amizade, a minha missão, para a qual fui chamado, não seria completa. É sincero quando vos digo que sois preciosos nesta missão.

Estou longe de vós, mas acompanho a situação do meu país! Rezo por vós, rezo por Portugal e pelo mundo.

Unidos na oração e no Amor de Deus,

Pedro Nascimento

Tempo de Natal

Pedro e David, LMC de Espanha

De Guilguel Beles, o nosso querido Pedro Nascimento, em missão, escreve-nos para nos transmitir as novidades da missão, para nos falar sobre a vida que emerge em missão e sobre o Natal, este tempo de espera pela vinda do menino.

 
Queridos amigos e amigas, 
Saúdo-vos desde Guilguel Beles, região de Benishangul Gumuz, Etiópia, onde me encontro.
Aproxima-se o Natal para vós (aqui iremos celebrar o nascimento de Jesus a 7 de Janeiro) e, por isso, quero desejar a todos vós e a toda a vossa família um santo Natal.
Este será, certamente, um Natal diferente. A pandemia Covid-19 limitou as nossas vidas, obrigou-nos a recordar que somos pó, que a nossa vida é frágil e ao mesmo tempo preciosa. É, pois, esta vida frágil mas preciosa que celebramos no Natal: um menino nasceu para nós.
Isso é o que mais desejo neste Natal: que o Deus Menino, frágil mas precioso nas nossas vidas nasça para todos nós pois Ele é o Príncipe da Paz.
Estou em segurança, graças a Deus. Mas a instabilidade que existe nesta região impediu a abertura das escolas até aqui, impediu-me de visitar aldeias Gumuz onde fui feliz e onde tenho amigos que quero abraçar ( aqui não há Covid-19, ou melhor, o Covid é outro). 
Duas semanas atrás, o centro de saúde gerido pelas irmãs Combonianas foi assaltado e levaram os três microscópios. Não bastava que todos os trabalhadores não Gumuz (só um é Gumuz) tenham regressado a suas casas com receio de que algo lhes aconteça, senão agora também não haver microscópios tão importantes para analisar a existência de doenças como tifo, tifóide ou malária.
Pode parecer uma realidade difícil e que nos faz desanimar (e, por vezes, é verdade). Mas esta realidade também nos ajuda a perceber que a missão pertence a Deus e que nós devemos ser meros instrumentos do seu amor: Servos inúteis somos, fizemos o que devia ser feito.
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Não acredito que Deus queira o nosso mal, roubos ou mortes. Mas sei que aproveita o mal ou sofrimento por que passamos para nos transformar e ajudar a sermos melhores, com a sua presença em nós.

Eu e o David, meu companheiro de missão, recomeçámos algumas actividades e iniciámos outras, tais como aulas de inglês em Guilguel Beles e Mandura, aulas de matemática aos alunos da escola de Mandura, mesmo com as escolas fechadas, actividades com os jovens, entre outras.

Obrigado a todos pela vossa colaboração, especialmente através da oração.

Este ano soubemos que uma doença nos pode tirar quase tudo, mas este Natal recorda-nos que um Menino nasceu e nasce para nós e connosco está.

Feliz e Santo Natal

Pedro Nascimento

A Missão em tempos de COVID-19

Partiu em Outubro de 2018 para a Missão na Etiópia. Ali pode partilhar muita vida com o povo etíope, em especial na missão entre o povo Gumuz, em Gilgil Beles (em Benishangul-Gumuz), "um tempo de grande comunhão", assim o descreve o nosso LMC Pedro Nascimento que regressou por um período a Portugal (entre Julho e Outubro de 2020). Enquanto aguarda pelo feliz regresso à missão, surgem muitas questões por parte de amigos e familiares. Neste 2º testemunho o LMC Pedro Nascimento partilha connosco como era a vida em missão durante o tempo de pandemia que também atingiu a Etiópia - um tempo mais dedicado à oração e, por isso, também um tempo fulcral pois "sem oração não há missão".

O dia-a-dia na Missão

Partiu em Outubro de 2018 para a Missão na Etiópia. Ali pode partilhar muita vida com o povo etíope, em especial na missão entre o povo Gumuz, em Gilgil Beles (em Benishangul-Gumuz), "um tempo de grande comunhão", assim o descreve o nosso LMC Pedro Nascimento que regressou por um período a Portugal (entre Julho e Outubro de 2020). Enquanto aguarda pelo feliz regresso à missão, surgem muitas questões por parte de amigos e familiares. É neste vídeo que o Pedro partilha o que faziam na missão, com quem vivia e como eram os dias.

Missão LMC na Etiópia

Os Leigos Missionários Combonianos (LMC) já estão presentes na Etiópia há vários anos, inseridos em comunidades da Família Comboniana. Foi em 2019 que iniciámos um Projeto de Missão numa nova região, entre os pobres dos mais pobres, numa região localizada a noroeste da Etiópia e que faz fronteira com o Sudão - região de Benishangul-Gumuz.

A Região de Benishangul tem uma extensão de 49.000 km2 e está dividida em três províncias, uma das quais Metekel onde se encontra a missão. Guilguel Beles, capital da Zona Metekel, com cerca de 10.000 habitantes, está a cerca de 545 Km, a noroeste da Capital Addis Abeba, a norte do Nilo Azul.

A província de Metekel é das mais marginalizadas e esquecidas da Etiópia. Uma zona de savana, caracterizada nalguns lugares por densa floresta, habitada desde tempos antigos pelos Gumuz. Os Gumuz são um povo de origem nilótica (ou Nilo- sahariana).

Os Gumuz foram um povo sempre muito pouco apreciado e marginalizado pelos povos vizinhos (especialmente os Amhara) de quem foram escravos por muitos séculos (até à década de 1930).

O povo Gumuz vive essencialmente da agricultura, uma agricultura de subsistência. Sendo um povo marginalizado e esquecido, vivem à margem dos esforços que as autoridades fazem para criar condições mais dignas de vida como o acesso à educação e saúde. A presença de organizações não-governamentais não se faz sentir muito por estes lados, pelo que a presença da Igreja Católica, juntamente com algumas igrejas protestantes são essenciais. A nossa presença é, para além da evangelização directa, um trabalho na área da Justiça e Paz e resolução de conflitos. Entre estes o investimento na educação é essencial.

De momento, temos dois projetos missionários, a par da atividade pastoral: na Biblioteca e com os Doentes.

  • Projeto na Biblioteca

Objetivo do projeto:

  1. Desenvolver a Educação na cidade de Guilguel Beles;
  2. Criação de condições de estudo e de aprendizagem;
  3. Compra de livros e material escolar;
  4. Formação de responsável pela biblioteca;

Não existe na cidade de Guilguel Beles, nem nas localidades próximas, nenhuma biblioteca que permita aos estudantes do ensino básico, ensino secundário e ensino superior (na cidade existem alguns colégios com cursos de enfermagem, educação, economia e contabilidade) ter acesso a manuais escolares e livros, bem como a um espaço adequado para estudar.

Por esse motivo, os Missionários Combonianos procuraram a construção de uma biblioteca que permita a todos os estudantes, especialmente os estudantes Gumuz, ter acesso a livros e espaço de estudo.

A biblioteca iniciou actividade no ano lectivo de 2019/2020, com a ajuda dos Leigos Missionários Combonianos e durante esse ano lectivo vários foram os alunos que usufruíram da biblioteca para estudar, fazer trabalhos de casa e ter aulas gratuitas de inglês e de informática.

Actualmente, a biblioteca dispõe de vários livros, e alguns computadores em segunda mão (doados por uma ONG italiana), o que permite aos alunos ter condições de estudo e recursos para realizarem os trabalhos de casa e aprenderem mais (especialmente, informática).

Para que este projecto tenha continuidade, será necessária a compra de mais livros, que satisfaçam as necessidades dos estudantes, pois uma biblioteca recente necessita de livros actuais e diversos sobre as várias disciplinas e cursos que permitam a todos os estudantes, sem excepção, estudar, realizar trabalhos de casa, tirar dúvidas, aprofundar conhecimentos.

Para além disso, e para que a biblioteca não fique dependente da presença de LMC na missão mas possa continuar por si, é também necessária a contratação de alguém que mantenha o espaço aberto, promova o silêncio e as condições de estudo e vele pelos livros e materiais existentes na biblioteca. Esta contratação será suportada pelos MCCJ (Missionários Combonianos do Sagrado Coração de Jesus) e com o nosso apoio.

O valor do projeto é de 3000€ (que inclui despesas com material de apoio, livros e o salário do bibliotecário).

>>> Sabia que pode colaborar connosco? Saiba como aqui.

  • Projeto com Doentes

Objetivo do projeto:

  1. Acompanhar as famílias;
  2. Criação de condições que possibilitem aos doentes recorrer a serviço médico, nomeadamente, transporte e alojamento;
  3. Compra de medicamentos a pessoas com impossibilidade económica;
  4. Sensibilização para práticas de higienização.

 

Durante toda a semana, no exercício da actividade pastoral, procuramos visitar famílias, estar com as pessoas, acompanhar a sua realidade, que é a nossa. Muitas vezes nos deparamos com pessoas doentes, sem qualquer possibilidade de ir a um centro de saúde ou porque se encontra muito distante, ou porque o centro de saúde se encontra fechado por falta de trabalhadores, devido a conflitos étnicos que provocam o medo entre as pessoas.

Tendo em conta a realidade onde estamos inseridos é muito usual encontrarmos casos de tifo, tifóide e malária. Devido a condições de higiene, verificam-se vários casos de sarna. Para além disso, se constatam vários casos de epilepsia, cataratas, entre outros casos específicos que requerem a nossa colaboração e empenho.

O nosso trabalho consiste em transportar estas pessoas, desde a sua aldeia até ao centro de saúde de Guilguel Beles, Mandura (que é gerido pelas Irmãs Combonianas e que fica a 10 km de Guilguel Beles) ou Pawi (clínica gerida por Irmãs Franciscanas, que dispõe de serviços oftálmicos e que fica a 30km de Guilguel Beles).

No acompanhamento dos doentes procuramos estar atentos ao diagnóstico, acompanhar a pessoa no tratamento e, quando a condição económica da pessoa não lhe permita pagar os medicamentos, contribuimos para o pagamento dos mesmos (não ofazemos sempre, mas analisamos caso a caso).  

A dificuldade económica faz com que muitas pessoas optem por não recorrer a serviços médicos. É normal encontrarmos pessoas com malária já bastante forte, com tifo e tifóide em estado avançado e até com sarna há meses.

Importa ainda referir que, durante as actividades com as crianças e visitas a famílias encontramos muitos casos de feridas na cabeça derivadas à falta de higiene. Nesses casos oferecemos um sabonete e explicamos a necessidade de lavar e de cuidar do corpo. Esta acção de sensibilização tem tido resultados muito positivos, especialmente entre as crianças. Quando sinalizamos alguém com este tipo de infecção cutânea por falta de higiene, procuramos acompanhar semanalmente e isso permite-nos ter noção do resultado positivo. Muitas vezes, o catequista que nos acompanha traduz para a língua Gumuz a nossa explicação para que a criança e família percebam.

O acompanhamento dos doentes torna-se um trabalho muito importante na nossa vida missionária, dando conta às pessoas que são importantes para nós e que nos preocupamos com elas e, ainda, restituindo-lhes o direito básico à saúde e sensibilizando para práticas de higiene. Este acompanhamento pressupõe gastos, quer na deslocação, quer na hospitalidade que oferecemos aos doentes, quer no pagamento de consultas e medicação.

O valor do projeto é de 2000€ (que inclui despesas com medicamentos, deslocações, alimentação e alojamento dos utentes).

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A comunidade de LMC, presente em Guilguel Beles, agradece a colaboração de todos. É, de facto, em constante colaboração que a Missão vai continuando e que, pouco a pouco, todos juntos, vamos construindo um mundo melhor, “para que muitos possam ter vida e tê-la em abundância” (cf. Jo 10, 10).